A análise que farei agora visa demonstrar não só algumas idéias que eu sustento neste Blog a algum tempo como também desmistifica alguns paradigmas vigentes em relação ao ensino jurídico e ao exame de ordem.
Na época eu critiquei uma declaração do Presidente da OAB/SP, que atribuiu o elevado índice de aprovação naquela seccional (ao menos em relação ao resto do país) a um esforço feito para melhorar a qualidade do ensino jurídico em São Paulo. Vejamos a declaração dele:
“É um dos mais altos índices dos últimos anos, em que pese a prova criteriosa que aplicamos, e retrata um melhor preparo dos bacharéis. Como o Exame de Ordem tem se prestado de alguma forma a avaliar a qualidade de ensino, percentuais melhores de aprovação nos leva a uma reflexão sobre o resultado positivo do esforço que tem sido feito para melhorar a qualidade do ensino jurídico em São Paulo”
Discordei desse raciocínio por dois motivos:
1 - A prova de São Paulo era bem mais fácil que a do exame unificado;
2 - O exame de ordem NÃO é critério para avaliar ensino jurídico.
Vejamos o que eu escrevi:
O que me causa espanto é a constatação de que a qualidade de cursos jurídicos e do preparo dos bacharéis é mensurada pelo exclusivo critério do sucesso ou insucesso dessa categoria no dito exame de ordem, como se as questões do número excessivo de faculdades, do péssimo ensino jurídico e de uma prova que não mensura realmente o conhecimento do candidato fossem irrelevantes.
Em primeiro lugar, o grau de dificuldade da prova objetiva do exame de ordem unificado é sensivelmente maior do que a prova objetiva aplicada pela seccional paulista. Essa não é só uma opinião minha, mas também é da esmagadora maioria dos bacharéis que me escrevem sobre o assunto ou que compartilham suas opiniões em nossa comunidade no Orkut. (...)
Em suma, teria o ensino jurídico paulista melhorado pela simples constatação de que a prova objetiva, no caso em debate, teve um índice mais elevado de aprovados? A resposta só pode ser negativa.
Não se pode mascarar o péssimo ensino jurídico brasileiro, massificado e mercantilizado, com percentuais gerados de uma prova que abusa de questões baseadas, em sua esmagadora maioria, no conhecimento da legislação seca. Um concursando, que nunca tenha passado pelos bancos de uma faculdade de direito, poderia perfeitamente ser aprovado no exame de ordem, bastando para isso estudar com afinco por uns 8 meses, preocupando-se apenas em decorar a letra da lei e ler uns resuminhos jurídicos, tão populares entre os bacharéis que se preparam para a prova.
O pior é que essa constatação leva a um paradoxo: Se a prova do exame de ordem fosse elaborada com o fito de realmente medir o conhecimento do bacharel, sua capacidade de pensar o direito e aplicar em concreto as teorias e normas legais, os índices de reprovação seriam catastróficos. Se o exame é elaborado basicamente sobre o conhecimento ou não sobre a legislação seca, imaginem o que aconteceria se fosse exigido uma capacidade maior de exegese jurídica.
Exatamente aí, bem aí mesmo, é desnuda a péssima qualidade do ensino jurídico brasileiro, que já logrou produzir a astronômica cifra 4 milhões de bacharéis ( fora os advogados e demais servidores da justiça) em todo o País. O que justifica esse número escandaloso? Ganância seria a minha primeira resposta. Até aí, nada demais, pois o sistema é capitalista e fazer dinheiro é a regra. No entanto, alguma explicação deve existir para o fato do Brasil deter o recorde absoluto e incomparável no número de faculdades de direito, que já é superior a mil, enquanto existem apenas 213 cursos de direito nos Estados Unidos, cuja população, e economia, são bem maiores que a nossa. A distorção é patente.
Deixo aqui três perguntas apenas para instigar o debate:
1 - Como surgiu essa distorção?
2 - Quem se beneficia dela?
3 - Por que não a corrigem de fato e de uma vez por todas?
É patente que o ensino deficitário e mercantilizado dos cursos de direito é responsável pelo fracasso de tantos e tantos bacharéis, vítimas de uma lógica perversa e indiferente.
O exame de ordem, nem mais, nem menos, só tem o escopo de conferir a carteira da OAB para os aprovados, e só. Não serve, não pode servir e jamais servirá, sob esse modelo decoreba, de parâmetro sério para uma análise do sistema de ensino jurídico. A prova da seccional de São Paulo, comparada com a do exame unificado, é perceptivelmente mais fácil.
Se São Paulo aderir ao exame unificado, nós poderemos ver que a realidade do ensino jurídico paulista não é tão colorida assim, e o tal do "esforço que tem sido feito para melhorar a qualidade do ensino jurídico em São Paulo" pode demonstrar sua fragilidade em apenas uns poucos meses, ou melhor, em apenas uma prova." (...)
Pois bem, o índice de aprovação na 1ª fase do 1º exame de 2009 foi de 11,19%. O de Brasília, só para servir de referência, foi de 27,37% (e Brasília sempre ocupa o pelotão intermediário). Um dos leitores do Blog deixou um comentário sobre o índice de aprovação que eu resolvi conferir. De fato, foram 18.917 candidatos inscritos (sem levar em consideração o percentual de ausentes, que no último exame foi de 3%) tendo sido aprovados 2.118 candidatos, o que dá 11,19% de aprovados (sem considerar as futuras anulações).
O resultado da Seccional Paulista, de toda forma, precisa ser ponderado em função do "choque" produzido por uma prova cuja elaboração é diferente da sua antecessora, além do fato de que o Estado de São Paulo tem o maior número de faculdades particulares no Brasil, fator decisivo no índice altíssimo de reprovações em termos percentuais. Agora a realidade foi exposta.
Resumindo a questão:
1 - Exame de Ordem não pode ser utilizado como paradigma para avaliar ensino jurídico. A prova aborda demais o conhecimento da lei seca, possui uma série de falhas na sua concepção e, de acordo com seus critérios de elaboração, pode ser mais fácil ou difícil, mascarando uma realidade com falsos resultados sobre o real grau de conhecimento dos bacharéis de direito;
2 - Ninguém move uma palha para fechar as chamadas "faculdades caça-níqueis". Ninguém se importa e ninguém questiona isso. No máximo, e com muita boa vontade, apenas criticam o excesso delas, valendo-se de expressões fortes e duras, como por exemplo, de "estelionato educacional". É muito pouco;
3 - Ninguém considera que 4 milhões bacharéis são vítimas desse sistema perverso. É melhor rotulá-los do que vê-los como vítimas de uma estrutura que só visa o lucro, e não a real formação. Essa cifra de 4 milhões de pessoas que não podem exercer um ofício para o qual estudaram durante 5 anos, gastando uma fábula em dinheiro (aproximadamente R$ 70.000,00), é absolutamente escandalosa.
O ensino jurídico no Brasil está merecendo uma CPI...
P.S. - Multipliquem R$ 70.000,00 por 4 milhões e vejam que número dá. Só cuidado para não caírem para trás.
P.P.P.S - Vejam trecho da reportagem do G1:
"(...) Sem esses dados, o percentual de aprovados é semelhante ao do exame 126, o de pior desempenho já apurado nos Exames de Ordem.
“O resultado do estado de São Paulo surpreende e deve ser analisado com relação ao desempenho obtido em outros estados, levando-se em consideração o número de faculdades existentes e o de bacharéis que prestaram a prova. Em Sergipe, por exemplo, 30% dos candidatos foram aprovados, mas lá existe um número reduzido de faculdades de direito. A rigor, o problema não está no exame, mas na preparação dos bacharéis”, diz o presidente da OAB SP, Luiz Flávio Borges D’Urso."
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